Emiliano José: “Não há desejo de vingar a ditadura, apenas o desejo de justiça”

Por Claudilene Gonzaga, coordenadora pedagógica nacional do Projeto MOVA-Brasil

Emiliano Jose

Palestra do professor e escritor Emiliano José na Formação Inicial do Polo Bahia

Emiliano José, professor e escritor, foi preso político aos 24 anos de idade, durante a ditadura militar no Brasil. Na tarde da quarta-feira, dia 9 de abril, Emiliano participou da Formação Inicial dos Monitores e Coordenadores Locais do Polo Bahia, discutindo sobre os reflexos dos 50 anos do golpe civil militar, especialmente na educação.


Emiliano fez uma análise de conjuntura a partir das memórias de sua luta e resistência para superar a ditadura, sem ter delatado nenhum de seus companheiros, e pela defesa do direito humano de todos os que, como ele, acreditavam (e muitos outros que continuam acreditando) numa sociedade com perene justiça social.

O professor destacou a importância da concepção de alfabetização do Projeto MOVA-Brasil, que vai além do ensino das letras, com a contribuição para a promoção de uma consciência cidadã. Ele comentou sobre a importância do educador Paulo Freire, também vítima da ditadura, que sofreu com o exílio, “mas não abriu mão da defesa e da construção de um projeto de nação solidária a partir da leitura crítica do mundo”.

Na condição de sobrevivente da ditadura, Emiliano disse aos participantes que o objetivo da ditadura era prender, tortura e matar para obter as informações desejadas, bem como destruir as organizações da classe trabalhadora e reprimir as manifestações populares pelo País.

“A palavra não dá conta de expressar o sofrimento da tortura a que foi submetida a carne torturada. A ditadura foi um regime assassino. Falo isso não por raiva porque passei quatro anos na cadeia, fui para o pau de arara, levei choque elétrico”, contou Emiliano. “Não há como deixar de se indignar com a ditadura, mas a minha atitude não é de vingança, pois não posso e nem quero. Eu não me esqueço de nenhum de meus companheiros que ficaram ao longo do caminho, nenhum dos companheiros assassinados, sempre covardemente. As feridas nunca vão cicatrizar… Mas não desejo vingar, apenas fazer justiça!”, completou.

Confira a galeria de imagens da Formação

 

Para Emiliano José, a Comissão da Verdade tem feito um papel extraordinário ao trazer à memória o que foram os 21 anos de ditadura, mas ela não tem o papel de punir. De qualquer modo, não é admissível que um torturador e assassino confesso permaneça impune quando é possível que ele pague pelos seus crimes.

As nossas escolas têm o papel, a missão, de revelar o que foi a ditadura. Sabemos que, mesmo quando este assunto integra a proposta curricular, acaba por não ser retratado, pois, por vezes, encerra-se o ano letivo antes de abordá-lo. O esquecimento da ditadura não é culpa dos professores, mas do currículo montado. “É preciso trazer a consciência do significado da ditadura para que as novas gerações possam conhecê-la e que isso nunca mais aconteça”, afirmou Emiliano.

Em seu diálogo com os participantes, o professor falou: “Não se pode esquecer que a nossa sociedade foi construída ‘em cima do sangue’ dos trabalhadores com o massacre dos negros escravos, o genocídio dos índios. Ainda há uma forte discriminação dos pobres”.

Emiliano também afirmou que é preciso superar o preconceito com os analfabetos, pois parte da sociedade compreende, equivocadamente, que conhecimento é o domínio das letras. A sabedoria não é adquirida apenas nos livros. “Um analfabeto pode, plenamente, ter muito mais sabedoria e conhecimento do que um doutor, pois uma das coisas essenciais e inquestionáveis é a experiência”, atestou Emiliano. O analfabeto é um sujeito dotado de Leitura do Mundo e de discurso. Ele só precisa aprender a interpretar pela letra o que ele já sabe sobre o mundo.

O debate é essencial para cada participante da formação, que estará à frente de turmas na condição de educadores, com o desafio de educar para a cidadania e a liberdade, como dizia Paulo Freire.

Mudar valores e formar uma nova consciência é fundamental para que se possa construir uma sociedade capaz de acolher e respeitar as diferenças, e superar todo e qualquer tipo de opressão, discriminação ou violência.

“Mudar não é fácil. Temos muito que trabalhar para alicerçar a consciência por direitos humanos”, disse Emiliano, ao encerrar sua participação no encontro.

Lançamento da Campanha

Na sequência do debate, o Polo Bahia fez o lançamento da Campanha Promova Consciência com Educação Popular em Direitos Humanos (confira mais detalhes no Facebook oficial: https://www.facebook.com/promovaconscienciaedh).

A Formação Inicial, que está sendo realizada no município de Feira de Santana (BA), terá seu encerramento na tarde desta sexta-feira, dia 11 de abril.


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