Entrevista com o presidente de honra do IPF

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Moacir Gadotti no X Encontro Nacional da Rede MOVA-BRASIL

O presidente de honra do Instituto Paulo Freire, Moacir Gadotti, participou da 3ª Formação Continuada de Coordenação dos Polos (de 28 a 31 de outubro) e do X Encontro Nacional da Rede MOVA-BRASIL (de 31 de outubro a 2 de novembro), ambos em Porto alegre (RS), e concedeu uma entrevista à equipe do Projeto MOVA-Brasil:

Equipe do MOVA-Brasil: Quais as origens da metodologia MOVA na Educação Popular?

Moacir Gadotti: Foi nos anos 1960, com o projeto de Angicos para alfabetizar e politizar o país que queremos e a educação que precisamos para o país que queremos. Paulo Freire deu origem à metodologia MOVA: sem a participação popular, parcerias, não se vence o analfabetismo. A metodologia participativa das comunidades se baseia no protagonismo dos sujeitos alfabetizandos e luta pela pós-alfabetização. Ela não é uma ação isolada de outras políticas sociais (papel dos movimentos sociais).

Ele também criou o Fórum Municipal de Alfabetização (SME e movimentos) e fortaleceu os movimentos sociais. Foram 73 entidades e 50 mil alfabetizandos em três anos. Não é qualquer educação, mas uma educação de qualidade, social e emancipadora (não uma educação com caráter compensatório).

Equipe do MOVA-Brasil: Fale sobre as conjunturas no Plano Nacional de Educação.

Moacir Gadotti:  O Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado pela presidenta Dilma Rousseff, no dia 25 de junho de 2014, prevê, em sua Meta 9, até o final da sua vigência, “erradicar o analfabetismo absoluto”. Não creio que essa meta seja atingida sem uma nova política de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Iniciamos este século com 13 milhões de analfabetos. Apesar de termos alfabetizado 13 milhões, ainda existe 13 milhões de analfabetos. A conta não bate. Por que a escola continua dando sua contribuição ao analfabetismo não alfabetizando a todos. Isso porque os neoalfabetizados adultos, os egressos, não continuam seus estudos. Apenas 5% continua, e são os mais jovens.

Estamos desistindo de alfabetizar movidos por uma ideologia da escolarização da EJA: a moda agora é falar da “elevação da escolaridade”, da “universalização do ensino fundamental” e realçar o “letramento”. A maioria dos nossos alunos tem mais de 50 anos e moram na zona rural. Eles não têm interesse em se matricular numa escola que não está preparada para recebê-los. Apenas 6% das nossas escolas atendem às condições previstas pelo PNE para receber alunos regulares. Precisamos de novos e apropriados espaços para recebê-los dignamente.

Equipe do MOVA-Brasil: Você considera que o Brasil avançou no combate ao analfabetismo?

Moacir Gadotti:  Avançamos, mas precisamos continuar avançando até a eliminação do analfabetismo no Brasil. Para isso, o analfabetismo deve deixar de ser uma questão municipal ou estadual e passar a ser uma questão nacional. É necessário envolver os três entes federados e a sociedade civil em torno de um grande pacto pela alfabetização de adultos, como sugeriu a “Comissão Nacional – Paulo Freire, 50 anos de Angicos”, sob a coordenação direta da presidenta Dilma e de seu ministro da educação, José Henrique Paim.

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Moacir Gadotti na 3ª Formação Continuada de Coordenação dos Polos

Equipe do MOVA-Brasil: E o que falta nessa nova política?

Moacir Gadotti:  Essa nova política precisa ter um caráter popular: por uma política nacional de educação popular de jovens e adultos. Os projetos dessa área já são populares. Basta sistematizar o que já existe na prática: um desdobramento da Política Nacional de Educação Popular lançada em 2014 pelo Governo Dilma (Gilberto Carvalho, Pedro Pontual), na esteira da práxis de Paulo Freire, patrono da educação brasileira. Uma visão emancipadora, libertadora da educação.

Uma das grandes contribuições que a Política Nacional de Educação Popular poderá dar à educação brasileira é colocar o debate da política na escola, resgatar a política e colocar para todos e todas a questão de que país queremos. A Educação Popular não é uma educação não escolar, simplesmente não formal. Ela precisa estar também no sistema formal.

Equipe do MOVA-Brasil: Porque é importante debater política na escola?

Moacir Gadotti:  Por que discutir política? Para formar crianças, jovens e adultos para a democracia, para a cidadania, para que defendam, acima de seus interesses individualistas, o interesse público, o interesse dos mais injustiçados, mostrando que é possível, urgente e necessário mudar a ordem das coisas e que uma Educação Popular emancipadora eleva nosso grau de civilização. A política organiza a sociedade.

É preciso tornar o Estado um instrumento de transformação social e não apenas um instrumento de gestão do desenvolvimento. Ele deve ser um instrumento de luta contra a opressão, um instrumento de libertação e não, simplesmente, de regulação e de governança da ação social, como querem os neoliberais.

Para isso, a Educação Popular precisa tornar-se política pública. É um processo que se constrói ao mesmo tempo dentro e fora do Estado. Precisamos continuar nas ruas, para dar sustentação a essa política e ajudar a presidenta Dilma a caminhar de forma mais estreita com as lutas dos movimentos populares.

Há cerca de 50 anos, em 1963, com Paulo Freire, em Angicos (RN), nascia um sonho possível, o sonho de construir uma nação com base numa educação emancipadora. Mais do que um projeto de alfabetização, trata-se de um projeto de nação. O sonho foi interrompido em 1964 com a extinção do Plano Nacional de Alfabetização. O processo de construção coletiva de uma Política Nacional de Educação Popular pode retomar esse sonho. O MOVA-Brasil retoma no século XXI o sonho de Paulo Freire.