Presos são alfabetizados no cárcere

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Os dois maiores programas educacionais disponíveis nas unidades prisionais do Ceará atendem a 2.250 ou 14% da população carcerária (Foto: Thiago Gadelha)

Dois grandes projetos foram implantados nos presídios para que os detentos se interessem pelos estudos. 

Será possível introduzir uma rotina de estudos e, por meio dela, implementar uma política de paz em um dos presídios, onde estão reclusos os detentos considerados mais perigosos do Estado, autores de delitos como homicídios e latrocínios? Sim, foi a resposta obtida na experiência realizada na Unidade Prisional Agente Penitenciário Luciano Andrade Lima, antiga Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL) I, em Itaitinga.

Em agosto deste ano, a unidade foi beneficiada com o projeto Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova Brasil) desenvolvido pelo Instituto Paulo Freire (IPF) e apoiado pela Petrobras. A iniciativa, em parceria com a Secretaria de Justiça e Cidadania do Ceará (Sejus) visa alfabetizar os presos e elevar o grau de instrução deles.

Outros programas de ensino são desenvolvidos pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará (Seduc) em outras 52 unidades do Estado. O Mova-Brasil envia os educadores e doa o material didático para que os internos aprendam a ler e a escrever. A medida também beneficia os participantes com a remição de pena. Para cada 12h de estudo há redução de um dia de pena.

Semianalfabetos

O objetivo do projeto é trazer o interno de volta para os estudos e ressocializá-lo. Cleiton Silva, 33, conta como resolveu “correr atrás do tempo perdido” e encontrar uma ocupação no cárcere. Ele disse que fazia a 3ª série do ensino fundamental, ainda criança, quando desistiu de ir para a escola. Cleiton sabia apenas escrever, copiar as letras, mas não sabia ler.

Para ele, aquelas mensagens não faziam sentido algum e assim foi deixando de frequentar as aulas. Mas hoje, no encarceramento, decidiu tentar outra vez. “Por eu não ter estudos eu me prejudiquei na hora de arranjar trabalho. Agora, alfabetizado, quero realizar meus projetos”, conta o detento.

Não apenas Cleiton Silva, mas centenas de outros presos são semianalfabetos e possuem um histórico parecido de abandono da escola. Porém, nem todos participam dos programas.

Os que iniciaram os projetos já apontam consideráveis avanços, segundo a professora Edna Meneses. Ela relata que o processo de mudança nos presos já começa no simples fato de eles pegarem o lápis.

“A ressocialização e o resgate da cidadania inicia quando eles passam a compreender e a se sentir importantes e parte do processo”, afirma.

Dificuldades

Os dois maiores programas educacionais disponíveis nas unidades prisionais do Ceará não são o suficiente para atender nem a metade da população carcerária do Estado. Dos 16.105 presos, 2.250 estudam no cárcere. Ou seja, apenas 14%.

A principal complexidade apontada pela Sejus em relação ao número de presos estudando é a falta de infraestrutura, pois os presídios mais antigos foram construídos apenas com celas, sem salas de aula ou espaços adequados para o desenvolvimento da atividade, segundo conta o assessor educacional da Sejus, Rodrigo Moraes.

Ele explica que as dificuldades mais recorrentes são de fato as estruturais. A antiga CPPL I, por exemplo, construída há quase dez anos, em agosto de 2006, não tinha salas de aulas. “Esta é a CPPL mais antiga. Na época de sua fundação não foi pensada com esta política de ensino. Até mesmo pelo fato de possuir presos perigosos. E hoje, nós quebramos esta ‘impossibilidade’ e passamos a dispor de uma sala de aula”, declarou Moraes.

A sala de aula a qual o assessor educacional se refere, onde estudam atualmente 20 presos, na verdade foi uma adaptação, onde antes funcionava o parlatório (sala onde os advogados conversavam com os presos). O espaço é bem pequeno e não tem capacidade para mais internos, mas é o primeiro passo para que os detentos tenham acesso às aulas, depois de quase dez anos de sua fundação. A primeira turma se forma no próximo mês e já há uma fila de espera de futuros alunos.

Outro presídio que também não tinha salas de aula e que foi beneficiado pelo Mova Brasil foi a Unidade Prisional Desembargador Francisco Adalberto de Oliveira Barros Leal, em Caucaia. Com as aulas também iniciadas no mês de agosto, a primeira turma está prestes a se formar. Pela primeira vez, tanto o presídio de Caucaia, quando a Unidade Prisional Agente Penitenciário Luciano Andrade Lima, recebem este tipo de ação.

Insuficientes

Conforme dados fornecidos pela Sejus, das 54 unidades espalhadas em 46 municípios, 90 não dispõem de salas de aula. Mas o órgão garantiu que há projetos de reformas nestas unidades ou de adaptações, para que este número seja reduzido. Em contrapartida, alguns presídios cearenses possuem até seis salas de aula em suas dependências.

O outro fator que também contribui para o baixo número de alunos ou a assiduidade deles é o próprio interesse dos internos nos conteúdos ministrados. A iniciativa de ofertar a modalidade de ensino, sendo pública ou privada, passa a ser um benefício para os presos, porém é uma atividade voluntária.

Conforme a Sejus, o detento tem seu direito à educação garantido e é convidado a participar, mas nem todos querem. Rodrigo Moraes explica que a inserção em qualquer projeto depende muito do comportamento do interno, para que exista harmonia na turma e a própria segurança deles não seja ameaçada por conflitos entre os detentos.

Oportunidade

É oferecendo a oportunidade de uma vida diferente que, quatro vezes por semana, a educadora Edna Meneses passa suas manhãs. Ela tenta mostrar, através das letras, que existe uma vida melhor para quem um dia deixará as grades. Apesar de atrasados em relação os estudos, pois muitos abandonaram a escola ainda crianças, ela conta que eles são atenciosos e realmente mostram interesse em aprender. O programa é voltado para a alfabetização, mas são ofertadas várias disciplinas: literatura, matemática, economia e momentos reflexivos com exibições de filmes e roda de debates.

Não é porque as vagas dos cursos são limitadas que os espaços não acomodam a todos os presos, ou que muitas unidades não disponham de salas de aulas, que a educação e o conhecimento vão deixar de estar presentes para os que buscam. Há livros e bibliotecas que estão disponíveis nas unidades.

Para facilitar o acesso aos livros, o projeto ‘Arcas das Letras’ e as ‘Bibliotecas Volantes’ circulam pelas ruas dos presídios com o objetivo de estimular a leitura. São estantes com rodinhas que passam de cela em cela com inúmeros títulos e gêneros.

Em janeiro deste ano, o Governo sancionou a Lei de remição de penas por horas de leitura. Para cada livro lido, quatro dias da pena são abatidos na sentença. Mas, para isto, o preso escreve um relatório sobre o livro e é avaliado por uma comissão.

(Colaborou Sara Sousa)

*Matéria originalmente publicada pelo Diário do Nordeste. Disponível em: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/policia/presos-sao-alfabetizados-no-carcere-1.1418166